Com discussões e projetos bem elaborados, é possível combater o preconceito racial que existe, sim, na escola. Está nas suas mãos, professor, o sucesso dessas crianças, negras e brancas, como alunas e cidadãs
Roseane Souza de Queirós, 8 anos, tem os cabelos lisos e claros, mas queria que eles fossem trançados e escuros como os da colega de sala de aula Juliana Francisca de Souza Claudino, uma garota negra também de 8 anos. Um dia, apareceu com o mesmo penteado afro. A atitude de Roseane surpreende. É muito, muito mais comum a criança negra desejar se parecer com a maioria dos heróis dos contos de fadas europeus, com as modelos estampadas em revistas e jornais e com os colegas que recebem maior atenção em sala, todos brancos e loiros. As duas meninas participam sistematicamente de discussões e projetos anti-racistas na Escola Classe 16, no Gama (DF). O desejo de Roseane é um exemplo concreto de que é possível combater na escola preconceitos e estereótipos enraizados.
E prova, de acordo com especialistas, que uma das saídas para o fim das desigualdades educacionais do Brasil está em enfrentar as desigualdades raciais que estão presentes, sim, no ambiente escolar. Quer ver como? A começar pelo currículo. A história e a cultura negras têm pouco ou nenhum destaque, diferentemente da cultura européia. Em um país com 44% de população afro-descendente, quantas pessoas conhecem a rainha Nzinga, líder da libertação do reino africano Ndongo em 1660, ou Dandara, guerreira do Quilombo dos Palmares, ao lado de Zumbi? Outro dado: a participação das crianças negras na última série do Ensino Médio representa a metade da registrada na 4ª série. Já os brancos somam 44% dos alunos da 4ª série, mas totalizam 76% na 3ª série do Ensino Médio. Mais: a escolaridade média de um negro com 25 anos gira em torno de 6,1 anos. Um branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. Dessa maneira, é possível concluir que crianças negras, como Juliana, enfrentam muitos obstáculos para permanecer na escola. E, sem dúvida, está nas mãos dos professores o futuro delas como alunas e cidadãs, defensoras de seus direitos. Portanto, eis uma demanda urgente para você: ampliar a discussão e os projetos pedagógicos que privilegiem a igualdade racial. Desde maio, com a aprovação da Lei nº 10.639, é obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira em todas as escolas de Ensino Fundamental e Médio. Para ajudá-lo a se adequar, mostramos os principais erros e acertos sobre as questões raciais e projetos pedagógicos que valem como inspiração para trabalhar o assunto em novembro, mês de comemoração da consciência negra, e durante o ano todo. Passado e presente de discriminação Uma boa medida para entender o impacto do preconceito e da discriminação na vida escolar é analisar a biografia de professores negros. Quem é a professora de Juliana e Roseane, que conseguiu ampliar padrões de beleza na sala de aula? Marizeth Ribeiro da Costa de Miranda, 39 anos, escolheu a profissão movida por suas experiências pessoais de racismo na escola e fora dela. Dois momentos são extremamente marcantes na trajetória de estudante de Marizeth: um passeio de coleira pelos corredores da escola (um colega quis reproduzir uma imagem de escravos mostrada no livro de História) e o tapa que levou de uma professora, quando conversava com uma colega branca na sala de aula. Somente Marizeth foi repreendida. "Precisei de muita força para não desistir dos estudos. Mas segui minha vida escolar calada", afirma. O silêncio é uma constante nas relações raciais. De forma consciente, como fez Marizeth, ou inconsciente, como agem os que não sabem lidar com o assunto. Desse modo, tornou-se natural tratar a história do negro apenas na perspectiva da escravidão e aceitar padrões estéticos e culturais de uma suposta superioridade branca. Sobre isso, disse o líder negro americano Martin Luther King (1929-1968): "Temos de nos arrepender nessa geração não tanto pelas más ações das pessoas más, mas pelo silêncio assustador das pessoas boas". O relato de vida de professores negros foi tema de um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais. As histórias que fazem parte da pesquisa se confundem em muitos pontos. Apelidos, xingamentos e discriminações são experiências vividas por todos os entrevistados. "Todos deixaram por algum período a escola, seja por problemas financeiros, seja por falta de motivação. As singularidades estão expressas na forma como cada um reagiu ao preconceito e à discriminação racial e nos processos pelos quais, gradativamente, chegaram a perceber a condição do negro no Brasil", conta Patrícia Santana, professora responsável pela pesquisa.
Referência: Revista Escola, disponível em:
http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/legislacao/educacao-nao-tem-cor-425486.shtml