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quarta-feira, 24 de março de 2010

A Diversidade e a Experiência de Fazer Juntos

por Reinaldo S. Bulgarelli

Não nos descaracterizem!
Não há no mundo alguém que seja totalmente igual a outro alguém. Pelo que dizem, ainda não há ninguém clonado entre nós e, mesmo que tivéssemos, duvido que seria igual ao original porque viveria num outro tempo e lugar, passaria por outras experiências, conheceria outras pessoas, ouviria outras músicas, enfim, teria outra interação com as pessoas e seus costumes. Nem nós mesmos somos hoje o que fomos ontem, não é mesmo? As coisas mudam e mudam com uma rapidez cada vez maior, espanto de nossos tempos atuais.
Enfim, somos tão diferentes uns dos outros que foi preciso construir uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, num determinado momento de nossa história (1948), para nos lembrar que, na origem, todos somos também iguais por termos algo em comum que nos distingue dos outros seres. Isso foi uma conquista da humanidade e podemos, ou melhor, devemos nos incluir nessa conquista e nesta humanidade, sentindo-nos responsáveis por manter e ampliar os direitos fundamentais ali expressos e a nossa experiência humana individual e coletivamente.
Diferentes, queremos assim continuar e não deixar que a igualdade nos descaracterize. Iguais, queremos também assim permanecer e ainda ampliar essa igualdade perante a lei, nossa igualdade jurídica, formal, para não permitir que nossas diferenças nos inferiorizem uns em relação aos outros, como nos lembra tão bem o professor Boaventura.1
É exatamente isso que tememos tanto: que as diferenças sejam um motivo de desigualdades, que questões como sexo, cor de pele, religião, orientação sexual, condições físicas, classe social, idade, entre outras tantas diferenças objetivas que temos, assumam uma relevância que determine o tipo de relação que teremos com a sociedade, com o amor, com o trabalho, com a cultura, com os bens e riquezas produzidos, com o futuro, com a vida, enfim. Afinal, mesmo quando temos algumas características marcantes, básicas, como o fato de ser homem ou mulher, isso não pode determinar ganharmos mais ou menos, ocuparmos lugares de comando ou apenas de subordinação, pertencermos a classe social ou outra, sermos aceitos para algumas coisas e não para outras.
PODEMOS ESCOLHER COMO LIDAR COM NOSSAS PRÓPRIAS DIFERENÇAS

Seja como for, podemos escolher, damos pesos diferentes, optamos por nos apresentar ou auto-representar com essa ou aquela característica. Uma pessoa pode ser afro-descendente, com um fenótipo bem definido como tal, e não se ver ou não dar peso algum a isso, por exemplo, diante do pesquisador do IBGE a perguntar sua cor: branca, preta, parda, amarela ou indígena (indígena não é cor, mas eles um dia vão bolar algo melhor para caracterizar as pessoas por raça ou etnia). Essa pessoa pode ser uma daqueles milhares que, quando importunada, declara ser cor de bombom, mulatinhas, morenas, pardas ou azuis.
Uma outra pessoa pode ter a pele clara e, mesmo assim, para espanto do tal pesquisador, assumir uma postura afirmativa em relação à sua condição de afro-descendência ou à sua origem indígena, por exemplo.Objetivamente, contudo, apesar da auto-representação revelar maior ou menor consciência ou mesmo gosto pelo pertencimento a um ou outro grupo racial ou étnico, a sociedade em geral sempre sabe identificar muito bem as pessoas, hierarquizar racialmente, incluir ou excluir com base nessa característica básica.
O tratamento que a sociedade confere aos negros, sejam eles pretos ou pardos, segundo o nosso IBGE, não deixa dúvidas sobre a expertise em identificar racialmente para discriminar socialmente, economicamente, culturalmente, afetiva e efetivamente quem pertence a um ou outro grupo, destinando lugares “próprios” a cada um. Os dados das pesquisas governamentais ou não-governamentais demonstram isso o tempo todo. Portanto, se alguém tem dúvidas sobre a própria cor de pele, pergunte para certos policiais, juizes, empregadores, educadores, políticos, entre outros, que são especialistas em identificar para discriminar negativamente. Que saibam esses “profissionais” da identificação que nosso país não é tão mestiço, como se declara até no pensamento, exatamente pela capacidade que algumas pessoas têm de identificar raça, cor ou etnia e gerar discriminações, apartações das mais escandalosas.
A discussão sobre cotas suscita debates muito interessantes e esse da impossibilidade de identificar quem é negro é um deles num país dito mestiço. Como é que conseguem identificar na hora de escolher o elenco de uma novela ou de uma peça teatral? Como é que conseguem fazer isso na hora de contratar pessoas que vão para a linha de frente no contato com o público em geral numa empresa? Como é que conseguem quando realizam avaliações de rendimento ou planos de carreira? Como é que conseguem na hora de definir quem sai mais cedo do sistema de ensino e terá o melhor aproveitamento escolar? Como é que conseguem fazer isso na hora de escolher as imagens que irão compor os livros didáticos, as revistas, os jornais? Como é que conseguem o tempo todo, na hora de prejudicar um grupo da sociedade, e não conseguem na hora de construir efetivamente as condições de igualdade, de oferecer um benefício, um direito, uma oportunidade que poderá mudar a história do país para todos os seus habitantes?
A declaração de uma ou outra descendência pode se dar, assim, muito mais por defesa contra o ataque dos padrões dominantes. Mas poderia se dar, sobretudo, como afirmação de um conjunto de características que se quer ver valorizado, respeitado, integrado em condições de igualdade nessa rede de relações sociais em que todos estamos inseridos. Todos deveriam ter o direito a uma imagem positiva na sociedade para que pudessem mais facilmente construir dentro de si mesmos uma auto-imagem positiva. As fotos, as imagens, as linguagens, enfim, que estão a serviço dos padrões dominantes e do ataque à auto-estima dos “outros” destróem, minam, descaracterizam as diferenças, tentam pasteurizar, homogeneizar tudo em volta como se tudo fosse uma coisa só e não essa rica diversidade que tanto nos qualifica para o sucesso por ser solução e não problema.
Podemos refletir também sobre a consciência feminina e a noção que as mulheres podem ou não adquirir sobre sua condição de mulher numa sociedade machista e que também hierarquiza as relações de gênero. O mesmo vale para os gays, homens ou mulheres, que podem querer assumir essa condição de uma maneira defensiva ou afirmativa, ou mesmo jamais assumi-la diante da família, na escola, no ambiente de trabalho ou diante de si mesmos. Isso determina não apenas uma condição individual, mas coletiva, social. Assumir-se ou não numa ou noutra condição ou situação pode gerar um impacto não apenas na vida da pessoa, mas na vida da sociedade, fazendo avançar ou não, melhorar ou não essa condição ou situação conforme a capacidade de resistência, organização e proposição que adquire.
Hoje, pela forma como os gays se vêem e se percebem na sociedade, pela disposição de cada indivíduo diante do assumir-se ou não como gay, é inconcebível realizar pesquisas sobre orientação sexual em qualquer organização bem-intencionada em relação aos resultados dessa pesquisa. Assim, com esse pensamento ou essa opção, é muito difícil que os gays conquistem os mesmos direitos que mulheres e negros estão ampliando cada vez mais. Não fosse um grupo militante, o pouco que se tem nem existiria por conta dessa postura dos gays brasileiros de não acharem oportuno enfrentar as práticas homofóbicas se autodeclarando ou assumindo-se como tais.
É um jeito de pensar, de ser e de agir que é construído com base nas condições concretas de existência que nos são dadas ou impostas e sobre as quais realizamos escolhas, fazemos nossas opções cotidianas e fundamentais, ampliando nossa liberdade e bem-estar ou reduzindo-os, conforme o estrago que o pensamento dominante causa em nossos mapas mentais, nossas crenças, valores, paradigmas e interesses ou desejos. Podemos transcender aquilo que nos foi dado, podemos tomar nas mãos a própria história e conceber a nós mesmos de uma maneira mais positiva, projetando nosso futuro com uma liberdade e um bem-estar ampliados.
Assumir-se de uma ou outra maneira, ter uma visão positiva ou negativa sobre a própria condição, as próprias características básicas ou secundárias, pode determinar a forma de inserção na sociedade, um lugar social, mas, sobretudo, pode também determinar a forma como as pessoas lidam com esse lugar que lhes é atribuído, sendo alguém que está ou não no padrão dominante. A solidariedade de brancos para com não-brancos e de heterossexuais com homossexuais, por exemplo, demonstra que há possibilidades variadas de mobilidade virtual ou real em relação às hierarquizações sociais dadas ou impostas.2 O importante, portanto, não é aquilo que temos e somos, mas o que fazemos com isso que nos é dado ou imposto.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A escola inclusiva e a diversidade


Embora não seja a Escola o único lugar onde acontece a educação, na sociedade atual a educação Escolar crescentemente se faz indispensável para a cidadania autônoma e competente. Constitui-se a Escola em espaço especialmente organizado para que se dê a construção de valores, conhecimentos e habilidades necessárias ao pleno, consciente e responsável exercício da democracia.

Estrutura-se a Escola através dos sujeitos que dela fazem parte e das relações que estabelecem entre si e com o meio. Nestas relações aparece a singularidade de cada sujeito, a sua cultura, o seu ponto de vista, a sua leitura de mundo, que comunicados aos outros, contribuem para a construção de conhecimentos reelaborados.

Na qualidade de espaço instituído pela esfera política e mediatizado pelo Estado, pela família e a sociedade, a Escola por integrar um amplo e complexo sistema social que não é neutro, pois se compõem de grupos diversos e por vezes divergentes, sofre intervenção dessas esferas, não sendo também ela uma instituição neutra, isolada, uma vez que representa os interesses da sociedade como construção histórica.

A Escola é a instituição responsável pela passagem da vida particular e familiar para o domínio público, tendo assim função social reguladora e formativa para os alunos.

Acima de tudo, a Escola tem a tarefa de ensinar os alunos a compartilhar o saber, os sentidos diferentes das coisas, as emoções, a discutir, a trocar pontos de vista. É na Escola que desenvolvemos o espírito crítico, a observação e o reconhecimento do outro em todas as suas dimensões.

Entretanto, ao analisar a realidade das nossas Escolas, percebo que a mesmas estão preparadas para receber um aluno idealizado. Tem um projeto educacional elitista, meritocrático e homogeneizado, o que faz com que ela venha produzindo situações de exclusão que, injustamente, prejudicam a trajetória educacional de muitos estudantes, pois certamente um aluno diferenciado, ao ingressar nessa estrutura, será excluído, parecendo esse movimento ser próprio à estrutura e ao funcionamento da Escola. Esta privilegia determinados conhecimentos e comportamentos, negando a diversidade, e esforçando-se para codificar a produção social a partir de certos valores. Parece que a Escola e sua comunidade não estão preparadas para acolher um aluno mais diferenciado, podendo acontecer de, no ensino regular, a inclusão, por força de lei, pode ser mais desastrosa do que se possa prever.

Os sistemas Escolares também montados a partir de um pensamento que recorta a realidade, que permite dividir os alunos em normais e deficientes, as modalidades de ensino em regular e especial, os professores em especialistas nesta e naquela manifestação das diferenças. A lógica dessa organização é marcada por uma visão determinista e formalista, própria do pensamento científico moderno, que ignora o subjetivo, o afetivo, o criador. Sem os quais não conseguimos romper com o velho modelo Escolar para produzir a reviravolta que a inclusão impõe.

Pode-se dizer que as causas fundamentais que têm promovido o aparecimento da inclusão são de dois tipos: por um lado, o reconhecimento da educação como um direito, e, por outro, a consideração da diversidade como um valor educativo essencial para a transformação das Escolas.

É importante considerar e compreender que a sociedade atual é a sociedade do estereótipo, das crenças prévias. A partir de imagens estereotipadas, cultiva-se a crença de que existe um saber universal, que se coloca como um produto acabado a ser seguido por todos, produzindo preconceitos do que se acredita que os sujeitos devam ser. Porém, o saber ali apresentado é um produto externo aos sujeitos, tornando-se inconsistente, uma vez que não fala de sua realidade. Acaba emergindo um saber que se transforma em preconceitos, gerando, gradativamente, discriminação e tratamento desigual dos sujeitos.

Vale ressaltar que o que de fato vem sendo excluído da sociedade é justamente a diferença, a singularidade, as exceções. O que se espera de todos é a semelhança, o grupo, a padronização. A diversidade cultural constitui um problema para a convivência humana, pois, por meio dos “ideais” sociais, que são difundidos e assimilados por todos, são determinados os modelos, de acordo com os quais o sujeito deve agir. Temos consciência de que a sociedade possui uma visão de homem padronizada e classifica as pessoas de acordo com essa visão. Elegemos um padrão de normalidade e nos esquecemos de que a sociedade se compõe de homens diversos, que ela se constitui na diversidade, assumindo de um outro modo as diferenças. Este deve ser um trabalho necessário, o de mudar a imagem que a sociedade tem das pessoas especiais e rever esta exigência de que todos devem ser iguais e seguirem padrões e normas para demonstrarem essa igualdade.

Muito freqüentemente, as diferenças entre alunos são vistas como um problema. Muitas pessoas acreditam que as diferenças dos alunos em relação a ajustes educacionais são dificuldades que necessitam ser trabalhadas, melhoradas ou os alunos precisam estar “prontos” (homogeneizados) para se encaixarem em uma situação de aprendizagem. Essa visão pode ser um grande inconveniente, prejudicando, assim, o processo de aprendizagem nas salas de aula que tentam promover valores e oportunidades de aprendizagem inclusivas para todos os alunos.

Para que a inclusão seja bem sucedida, as diferenças dos alunos devem ser reconhecidas como um recurso positivo. As diferenças entre os alunos devem ser reconhecidas e capitalizadas para fornecer oportunidades de aprendizagem para todos os alunos da classe.

A educação inclusiva é um meio privilegiado para alcançar a inclusão social, algo que não deve ser alheio aos governos e estes devem dedicar os recursos econômicos necessários para estabelecê-la. Mais ainda, a inclusão não se refere somente ao terreno educativo, mas o verdadeiro significado de ser incluído. Está implícita na inclusão social, a participação no mercado de trabalho competitivo, sendo este o fim último da inclusão.

Sendo assim, a educação inclusiva não é tarefa somente da Escola, ela deve caminhar junto com a construção de uma sociedade inclusiva, pois a instituição Escolar precisa estar relacionada ao sistema social, político e econômico vigente na sociedade. A educação inclusiva implica na implementação de políticas públicas, na compreensão da inclusão como processo que não se restringe à relação professor-aluno, mas que seja concebido como um princípio de educação para todos e valorização das diferenças, que envolve toda a comunidade Escolar.

A inclusão é percebida como um processo de ampliação da circulação social que produz uma aproximação dos seus diversos protagonistas, convocando-os à construção cotidiana de uma sociedade que ofereça oportunidades variadas a todos os seus cidadãos e possibilidades criativas a todas as suas diferenças.

Para uma Escola tornar-se inclusiva, ou seja, uma instituição que, além de aberta para trabalhar com todos os alunos, incentiva a aprendizagem e a participação ativa de todos, faz-se necessário um investimento sistemático, efetivo, envolvendo a comunidade Escolar como um todo. Para isso efetuar-se de maneira satisfatória, é ainda necessário que a Escola tenha estímulo e autonomia na elaboração de seu projeto pedagógico, que possa elaborar um currículo Escolar que reflita o meio social e cultural onde os alunos estão inseridos; que tenha a aprendizagem como eixo central em suas atividades Escolares e que reconheça o enriquecimento advindo da diversidade.

Referência: http://www.soprando.net/estudantes/a-escola-inclusiva-e-a-diversidade

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Diversidade Humana


Diversidade Humana
A humanidade sempre teve reações variadas pelas diferenças que percebiam entre si e os vários povos com os quais tinham contato. Guerreiros; viajantes; comerciantes; e lendas relatavam a seus pares, desde a mais remota antiguidade, as exoticidades dos demais. As reações eram e são variadas: desde o medo e a repulsa, até a curiosidade e o apreço (Mair, 1965; Laraia, 1986; Maggie, 1996).
Aspectos culturais e físicos imediatamente perceptíveis da singularidade dos “outros”, como vestimentas; ornamentos corporais; estatura; cor da pele, cabelos e olhos; e língua, ressaltavam a singularidade mais aparente. Os “costumes” mais estranhos, porém, sobressaiam aos que tinham a oportunidade de passar um certo tempo maior entre os “estrangeiros” e outras diferenças mais profundas entre os povos só poderiam ser apreendidas por um olhar mais detalhado: historiadores como Heródoto são tidos, por alguns, como os primeiros “antropólogos”, por se preocuparem com a organização das sociedades que descrevia, e não somente com os acontecimentos históricos, buscando assim uma razão, uma causalidade para os eventos (Mair, op. cit.).
As explicações sobre a diversidade humana sempre ressaltaram com mais ênfase os aspectos negativos dos “outros”, tendo como parâmetro as características positivas, físicas e culturais, dos povos sob cujo ponto de vista se pensava a diferença. Chega-se até a negar a qualidade de “humano” aos demais povos. Alguns exemplos: entre os povos indígenas brasileiros, a autodesignação, a rigor, enfatiza as qualidades de “seres humanos”; “gente”; “povo de Deus” de cada povo. E para os demais restam termos, no mínimo, desagradáveis, como “os agressivos selvagens”; “os comedores de carne de mamíferos ou de cobra” ou outra característica repulsiva. Já nos primeiros séculos da colonização luso-espanhola, o estatuto de “seres com alma” chegou a ser negado aos habitantes tradicionais das Américas, sendo objeto de discussões acirradas no âmbito da Igreja Católica.
A esta atitude a antropologia chama de “etnocentrismo”, uma atitude generalizada entre as sociedades humanas de valorizarem ao máximo como as melhores, as mais corretas, suas formas de viver; agir; sentir e pensar coletivamente.
Outros exemplos demonstram atitudes mais positivas em relação à alteridade, como na Primeira Carta ao Rei de Portugal, em que Caminha descreveu os “índios” como alegres e inocentes como crianças, sem notarem que estavam expondo suas “vergonhas”. Rousseau, um crítico da sociedade européia, cunhou a idéia do “bom selvagem” e as cortes européias deleitavam-se com a exoticidade animal e humana do “Novo Mundo”.
Segundo Maggie (op. cit. : 226), foi a partir do século XVI, com a expansão colonial européia, que caracteres como a cor da pele e outros traços físicos dos povos encontrados por exploradores passou a ser um aspecto privilegiado no imaginário europeu, como marcador das diferenças entre os povos. A autora cita Camões, em Os Lusíadas, que, ao descrever um encontro com um habitante da África, disse acerca daquela parte do mundo:
“Onde jazem os povos a quem negaO filho de Clymenes a cor do dia”.e ainda, mais adiante: “ hum estranho...de pelle preta”
A partir desta época, igualmente, o pensamento europeu começou a desenvolver uma forma específica de classificar e pensar “as coisas do mundo”. A ânsia pelo saber, separando-se da Religião e da Filosofia, tornara-se Ciência, buscando dar conta de um novo mundo de proporções multi-continentais. Os critérios da observação sistemática e da classificação em hierarquias racionais foram aplicados às novas formas de vida (vegetal; animal e humanas) que passaram a conhecer.
A escravização dos povos indígenas sul-americanos e africanos, trouxe contradições políticas e morais no pensamento colonial e os critérios de classificação das diversidades vegetais e animais foram tomados como critérios principais de demarcação das diferenças humanas. Segundo Maggie (op.cit. : 225-226), “as diferenças são a própria matéria do pensamento, desde a passagem da natureza à cultura, mas foi nesse encontro entre povos distantes que se levou a troca simbólica a níveis tão intensos.”
A noção de Raça, e sua associação de características biológicas; comportamentais e sociais foi, neste longo período que se estendeu até o século XX, a expressão científica do racismo colonial luso-espanhol. Na cultura luso-hispânica, este movimento teve desdobramentos importantes que incluíram, como no Brasil, a política de incentivo a aos movimentos migratórios – desde a importação escravagista da África até as tentativas de “branqueamento” do povo brasileiro (Seyferth, 1996), no século XIX – e influenciaram os estudos raciais acadêmicos até meados do século XX.
Darwin e sua obra “A origem das espécies” foi um importante marco da revolução metodológica que expressava uma “síntese revolucionária” na ciência classificatória naturalista das espécies. Sua teoria da evolução biológica das espécies introduziu uma visão dinâmica que desvinculou das ciências classificatórias naturais das explicações da origem “inata” das diferenças entre as espécies. Não obstante, desde meados do século XIX até meados do século XX, nos debates científicos sobre Raça, este pensamento dinâmico não se havia consolidado. Segundo Ventura dos Santos (1996:125-127), a obra de Darwin e de outros, com modelos evolucionistas, levaram um longo tempo para se consolidarem nas Ciências Antropológicas que se baseavam na construção de categorias como “tipos raciais” e “raças”.
Somente pouco antes da metade do século XX, quando autores como Franz Boas (1940) e Stocking (1968) levantaram as influências das condições ambientais na constituição das diversidades humanas, o que Santos chama de “segunda revolução darwinista” na Antropologia “Física” (biológica) se consolidou. O conceito de raça, nas ciências antropológicas, foi substituído então pela categoria “população” (cf. Ventura dos Santos, op.cit. :125-129), construída a partir de critérios estatísticos e genéticos, cuja ênfase estava mais em seus aspectos dinâmicos, e na separação, por inspiração da biologia experimental, estes critérios dos extrabiológicos (sócio-culturais).
O clima do pós-guerra europeu, em fins da década de 40 e na dos 50, trouxe reações radicalmente contrárias aos fundamentos da eugenia levada ao extremo pela política nazista. Esta transição foi significativamente marcada na Assembléia da UNESCO (United Nations Educational and Scientific Organization) de 1949 (cf. Ventura dos Santos, op. cet.:129-132). Nesta Assembléia, Boas e alguns antropólogos, como Lévi-Strauss (Raça e História) foram convidados a participar e exerceram influência no relatório final, contrária à ênfase na diversidade racial como explicativa de fenômenos sócio-culturais e ambientais. A negação da diversidade biológica e sua influência em certas características individuais dos grupos humanos, levou a uma reação de geneticistas; biólogos e antropólogos físicos, que tiveram a oportunidade de participar de outra reunião, cuja conclusão não foi, segundo Ventura dos Santos, muito diferente da anterior, embora resguardasse um espaço para se pensar a diversidade biológica humana.


Referência: www.ghente.org/ciencia/diversidade/index.htm