Não nos descaracterizem!
Não há no mundo alguém que seja totalmente igual a outro alguém. Pelo que dizem, ainda não há ninguém clonado entre nós e, mesmo que tivéssemos, duvido que seria igual ao original porque viveria num outro tempo e lugar, passaria por outras experiências, conheceria outras pessoas, ouviria outras músicas, enfim, teria outra interação com as pessoas e seus costumes. Nem nós mesmos somos hoje o que fomos ontem, não é mesmo? As coisas mudam e mudam com uma rapidez cada vez maior, espanto de nossos tempos atuais.
Enfim, somos tão diferentes uns dos outros que foi preciso construir uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, num determinado momento de nossa história (1948), para nos lembrar que, na origem, todos somos também iguais por termos algo em comum que nos distingue dos outros seres. Isso foi uma conquista da humanidade e podemos, ou melhor, devemos nos incluir nessa conquista e nesta humanidade, sentindo-nos responsáveis por manter e ampliar os direitos fundamentais ali expressos e a nossa experiência humana individual e coletivamente.
Diferentes, queremos assim continuar e não deixar que a igualdade nos descaracterize. Iguais, queremos também assim permanecer e ainda ampliar essa igualdade perante a lei, nossa igualdade jurídica, formal, para não permitir que nossas diferenças nos inferiorizem uns em relação aos outros, como nos lembra tão bem o professor Boaventura.1
É exatamente isso que tememos tanto: que as diferenças sejam um motivo de desigualdades, que questões como sexo, cor de pele, religião, orientação sexual, condições físicas, classe social, idade, entre outras tantas diferenças objetivas que temos, assumam uma relevância que determine o tipo de relação que teremos com a sociedade, com o amor, com o trabalho, com a cultura, com os bens e riquezas produzidos, com o futuro, com a vida, enfim. Afinal, mesmo quando temos algumas características marcantes, básicas, como o fato de ser homem ou mulher, isso não pode determinar ganharmos mais ou menos, ocuparmos lugares de comando ou apenas de subordinação, pertencermos a classe social ou outra, sermos aceitos para algumas coisas e não para outras.
Não há no mundo alguém que seja totalmente igual a outro alguém. Pelo que dizem, ainda não há ninguém clonado entre nós e, mesmo que tivéssemos, duvido que seria igual ao original porque viveria num outro tempo e lugar, passaria por outras experiências, conheceria outras pessoas, ouviria outras músicas, enfim, teria outra interação com as pessoas e seus costumes. Nem nós mesmos somos hoje o que fomos ontem, não é mesmo? As coisas mudam e mudam com uma rapidez cada vez maior, espanto de nossos tempos atuais.
Enfim, somos tão diferentes uns dos outros que foi preciso construir uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, num determinado momento de nossa história (1948), para nos lembrar que, na origem, todos somos também iguais por termos algo em comum que nos distingue dos outros seres. Isso foi uma conquista da humanidade e podemos, ou melhor, devemos nos incluir nessa conquista e nesta humanidade, sentindo-nos responsáveis por manter e ampliar os direitos fundamentais ali expressos e a nossa experiência humana individual e coletivamente.
Diferentes, queremos assim continuar e não deixar que a igualdade nos descaracterize. Iguais, queremos também assim permanecer e ainda ampliar essa igualdade perante a lei, nossa igualdade jurídica, formal, para não permitir que nossas diferenças nos inferiorizem uns em relação aos outros, como nos lembra tão bem o professor Boaventura.1
É exatamente isso que tememos tanto: que as diferenças sejam um motivo de desigualdades, que questões como sexo, cor de pele, religião, orientação sexual, condições físicas, classe social, idade, entre outras tantas diferenças objetivas que temos, assumam uma relevância que determine o tipo de relação que teremos com a sociedade, com o amor, com o trabalho, com a cultura, com os bens e riquezas produzidos, com o futuro, com a vida, enfim. Afinal, mesmo quando temos algumas características marcantes, básicas, como o fato de ser homem ou mulher, isso não pode determinar ganharmos mais ou menos, ocuparmos lugares de comando ou apenas de subordinação, pertencermos a classe social ou outra, sermos aceitos para algumas coisas e não para outras.
PODEMOS ESCOLHER COMO LIDAR COM NOSSAS PRÓPRIAS DIFERENÇAS
Seja como for, podemos escolher, damos pesos diferentes, optamos por nos apresentar ou auto-representar com essa ou aquela característica. Uma pessoa pode ser afro-descendente, com um fenótipo bem definido como tal, e não se ver ou não dar peso algum a isso, por exemplo, diante do pesquisador do IBGE a perguntar sua cor: branca, preta, parda, amarela ou indígena (indígena não é cor, mas eles um dia vão bolar algo melhor para caracterizar as pessoas por raça ou etnia). Essa pessoa pode ser uma daqueles milhares que, quando importunada, declara ser cor de bombom, mulatinhas, morenas, pardas ou azuis.
Uma outra pessoa pode ter a pele clara e, mesmo assim, para espanto do tal pesquisador, assumir uma postura afirmativa em relação à sua condição de afro-descendência ou à sua origem indígena, por exemplo.Objetivamente, contudo, apesar da auto-representação revelar maior ou menor consciência ou mesmo gosto pelo pertencimento a um ou outro grupo racial ou étnico, a sociedade em geral sempre sabe identificar muito bem as pessoas, hierarquizar racialmente, incluir ou excluir com base nessa característica básica.
O tratamento que a sociedade confere aos negros, sejam eles pretos ou pardos, segundo o nosso IBGE, não deixa dúvidas sobre a expertise em identificar racialmente para discriminar socialmente, economicamente, culturalmente, afetiva e efetivamente quem pertence a um ou outro grupo, destinando lugares “próprios” a cada um. Os dados das pesquisas governamentais ou não-governamentais demonstram isso o tempo todo. Portanto, se alguém tem dúvidas sobre a própria cor de pele, pergunte para certos policiais, juizes, empregadores, educadores, políticos, entre outros, que são especialistas em identificar para discriminar negativamente. Que saibam esses “profissionais” da identificação que nosso país não é tão mestiço, como se declara até no pensamento, exatamente pela capacidade que algumas pessoas têm de identificar raça, cor ou etnia e gerar discriminações, apartações das mais escandalosas.
A discussão sobre cotas suscita debates muito interessantes e esse da impossibilidade de identificar quem é negro é um deles num país dito mestiço. Como é que conseguem identificar na hora de escolher o elenco de uma novela ou de uma peça teatral? Como é que conseguem fazer isso na hora de contratar pessoas que vão para a linha de frente no contato com o público em geral numa empresa? Como é que conseguem quando realizam avaliações de rendimento ou planos de carreira? Como é que conseguem na hora de definir quem sai mais cedo do sistema de ensino e terá o melhor aproveitamento escolar? Como é que conseguem fazer isso na hora de escolher as imagens que irão compor os livros didáticos, as revistas, os jornais? Como é que conseguem o tempo todo, na hora de prejudicar um grupo da sociedade, e não conseguem na hora de construir efetivamente as condições de igualdade, de oferecer um benefício, um direito, uma oportunidade que poderá mudar a história do país para todos os seus habitantes?
A declaração de uma ou outra descendência pode se dar, assim, muito mais por defesa contra o ataque dos padrões dominantes. Mas poderia se dar, sobretudo, como afirmação de um conjunto de características que se quer ver valorizado, respeitado, integrado em condições de igualdade nessa rede de relações sociais em que todos estamos inseridos. Todos deveriam ter o direito a uma imagem positiva na sociedade para que pudessem mais facilmente construir dentro de si mesmos uma auto-imagem positiva. As fotos, as imagens, as linguagens, enfim, que estão a serviço dos padrões dominantes e do ataque à auto-estima dos “outros” destróem, minam, descaracterizam as diferenças, tentam pasteurizar, homogeneizar tudo em volta como se tudo fosse uma coisa só e não essa rica diversidade que tanto nos qualifica para o sucesso por ser solução e não problema.
Podemos refletir também sobre a consciência feminina e a noção que as mulheres podem ou não adquirir sobre sua condição de mulher numa sociedade machista e que também hierarquiza as relações de gênero. O mesmo vale para os gays, homens ou mulheres, que podem querer assumir essa condição de uma maneira defensiva ou afirmativa, ou mesmo jamais assumi-la diante da família, na escola, no ambiente de trabalho ou diante de si mesmos. Isso determina não apenas uma condição individual, mas coletiva, social. Assumir-se ou não numa ou noutra condição ou situação pode gerar um impacto não apenas na vida da pessoa, mas na vida da sociedade, fazendo avançar ou não, melhorar ou não essa condição ou situação conforme a capacidade de resistência, organização e proposição que adquire.
Hoje, pela forma como os gays se vêem e se percebem na sociedade, pela disposição de cada indivíduo diante do assumir-se ou não como gay, é inconcebível realizar pesquisas sobre orientação sexual em qualquer organização bem-intencionada em relação aos resultados dessa pesquisa. Assim, com esse pensamento ou essa opção, é muito difícil que os gays conquistem os mesmos direitos que mulheres e negros estão ampliando cada vez mais. Não fosse um grupo militante, o pouco que se tem nem existiria por conta dessa postura dos gays brasileiros de não acharem oportuno enfrentar as práticas homofóbicas se autodeclarando ou assumindo-se como tais.
É um jeito de pensar, de ser e de agir que é construído com base nas condições concretas de existência que nos são dadas ou impostas e sobre as quais realizamos escolhas, fazemos nossas opções cotidianas e fundamentais, ampliando nossa liberdade e bem-estar ou reduzindo-os, conforme o estrago que o pensamento dominante causa em nossos mapas mentais, nossas crenças, valores, paradigmas e interesses ou desejos. Podemos transcender aquilo que nos foi dado, podemos tomar nas mãos a própria história e conceber a nós mesmos de uma maneira mais positiva, projetando nosso futuro com uma liberdade e um bem-estar ampliados.
Assumir-se de uma ou outra maneira, ter uma visão positiva ou negativa sobre a própria condição, as próprias características básicas ou secundárias, pode determinar a forma de inserção na sociedade, um lugar social, mas, sobretudo, pode também determinar a forma como as pessoas lidam com esse lugar que lhes é atribuído, sendo alguém que está ou não no padrão dominante. A solidariedade de brancos para com não-brancos e de heterossexuais com homossexuais, por exemplo, demonstra que há possibilidades variadas de mobilidade virtual ou real em relação às hierarquizações sociais dadas ou impostas.2 O importante, portanto, não é aquilo que temos e somos, mas o que fazemos com isso que nos é dado ou imposto.
Quem é o Professor Boaventura a que Bugarelli se refere?
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