terça-feira, 9 de março de 2010

Redomas de cristal

Walcyr Carrasco compara a diversidade da escola pública que freqüentou com as escolas particulares fechadas de hoje
Semanas atrás, fui jantar com alguns colegas de classe do colegial. Estudamos juntos há cerca de quarenta anos. Ainda nos vemos, acompanhamos a trajetória de vida de cada um e torcemos nas situações difíceis. Cursei um colégio público, experimental, de ótima reputação na época. Uma das teses dos educadores era mesclar as diversas classes sociais. Devido à fama, a escola atraía até milionários. Eu, um garoto pobre, convivi com colegas de status social maior e até menor que o meu. Foi enriquecedor. Sem falsa modéstia, acredito que para os outros também. Para meu espanto, as famílias atuais buscam exatamente o oposto. Particularmente, acho os condomínios maravilhosos. Quando eu era criança, entrar em piscina era privilégio raro! Hoje, crianças de classe média nadam a metros de onde vivem. Discordo, sim, da visão de boa parte dos pais. – Meus filhos nem vão precisar sair. A escola é ao lado, o shopping é próximo. Segurança total – contou-me um amigo ao mudar de endereço. Fiquei de queixo caído com sua ingenuidade. Está certo, a violência anda cada vez maior. Qualquer pai ou mãe fica apavorado quando o filho se atrasa. Isolar ajuda, de fato? "Proteger é diferente de esconder", diz o escritor Gabriel Chalita em seu recém-lançado Pedagogia da Amizade. "Não se esconde o filho do mundo nem o mundo do filho." Eu soube de colégios ricos onde os alunos disputam quem tem o relógio mais caro ou o último lançamento eletrônico, por exemplo. Esses garotos não seriam pessoas melhores se pudessem conviver com outros, em situações diferentes, para entender que o planeta não gira em função das grifes?
Essas famílias só visitam famílias parecidas, que fazem compras nos mesmos shoppings, comem em restaurantes idênticos, usam roupas de grifes iguais e fazem os filhos viver vidas inventadas em série. É como reunir todas as aves num só galinheiro. Basta a chegada de uma única raposa para fazer a festa. Quando escrevi um livro para adolescentes sobre drogas, investiguei a fundo como ocorre o primeiro contato. Em geral é por meio de um conhecido acima de qualquer suspeita: vizinho, namorado, parente próximo. Em uma palestra recebi o depoimento emocionado de um pai cujo próprio irmão introduzira seu filho no consumo pesado. – Eu nunca suspeitei de meu irmão! – ele disse chorando. – E agora perdi meu filho! É óbvio. Imagine um bando de garotos de boa situação financeira que pouco conhecem da vida. Fechados em seu mundinho. Chega um com a novidade. Cresce a curiosidade. E de um em um todos querem experimentar. Se fossem mais escolados seriam alvos tão fáceis? Triste é saber também que, se alguma família perde dinheiro, passa a ser malvista. É comum surgir um comentário depreciativo porque alguém atrasou o condomínio, como se uma crise financeira fosse um problema moral. Ou seja, os valores começam a ficar distorcidos, por serem somente materiais. Não é à toa que se ouve falar, com freqüência, em jovens de classe média que partem para o crime. Educar um filho hoje em dia é difícil, pois são inúmeras as armadilhas. Passei por riscos e estou aqui, inteiro. Alguns amigos superprotegidos, ao contrário, não deram em nada. Ainda, já depois dos 50 anos, não querem saber do batente. Educar a criança em um mundo que não existe pode dar uma sensação de segurança. Mais tarde, ela não estará pronta para enfrentar a realidade, certamente muito mais árdua.

Referência: http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/redomas-cristal-345481.shtml

Um comentário:

  1. Muito intessante e esclarecedor esse tema.Realmente precisamos educar os nossos filhos para a vida no mundo real e não como ilhas isoladas de tudo.

    ResponderExcluir